Apenas mais um dia... Falta pouco pras seis da manha. Hoje, quarta-feira, dia do meu rodízio, igual à maioria dos paulistanos, já estou no meio do amontoado de gente na fila do Metrô. Tenho sorte de conseguir um lugar à janela. De lá, posso observar melhor quem entra e sai do vagão ou simplesmente aproveitar a oportunidade do contato sensorial com o mundo pulsante da cidade grande. Dói largar o celular de lado. Conectada é tão mais legal... Ver só coisa boa, bonita. Largar de lado dores, tristezas, o mundo como de verdade ele o é. Um poço de gente tentando ir em frente, acreditando-se feliz quando na verdade luta desperadamente pra sobreviver diante dos terrores da realidade cotidiana... Os afoitos diriam: relaxa! De uns tempos pra cá, faço questão de me conectar ao redor. Tento imaginar o que sente quem entra e sai do vagão. Sem essa de bisbilhotar ninguém. Não! É pecado achar fascinante imaginar como as pessoas se sentem diante do dia que acontece? Suas alegrias e dores, lutas e amores, mistérios e incertezas? Manhãnzinha e não ouço o barulho gostoso de risos e vozes de um meio dia. Nem o som ruidoso dum final de noite quando, a maioria estudante, toma conta dos vagões. Há um silêncio, algo quase que combinado. Como se cada um se desse de presente esses breves minutos para se recolher, meditar, ou cochilar simplesmente. Esforço pra imaginar como se sentem. Felizes, tristes, cançados, energizados, esperançosos, desesperançados? Muitos, grudados em seus celulares, neles se concentram como se fossem a nave que os transporta para mundos de sonhos e ilusões. Seguem conectados ao mundo, desconectados ao redor. Outros dormem ou fingem dormir. Pensam no trabalho por fazer, na bronca que vai levar do chefe se o metrô cismar de ter uma pane... Na melhor das hipóteses revivem os belos momentos vividos na noite passada. Uma mulher entra com uma criança no colo. O lugar “preferencial” está ocupado. Ela se posta na frente dele. Encara os jovens ocupantes. Nenhum deles se mexe. Um homem se levanta, dá-lhe o lugar. Alguém fala alto. A voz soa irritada. É uma mulher. “É cada um por si” ─ diz. ─ “Não sei onde essa falta de solidariedade, de empatia, vai nos levar”. Suspiro, concordo, discordo. Radicalizar: “todo mundo”...um chute no escuro. Cá, comigo, penso: Mesmo que uns só pensem em si mesmos, há quem exerca um altruísmo verdadeiro, como o homem que se levantou para dar lugar à mulher. Ela se cala sem nem mesmo agradecer a gentileza. O vagão volta a mergulhar no silêncio. Meu olhar segue. Passeia por entre ombros caídos, olhos vidrados. "Seria uma noite mal dormida" - me pergunto - "Desesperança, cansaço, talvez"? "Pior do que morrer é não viver. Viver, ah, isso é legal, é real" - penso me sentindo meio que culpada, sei lá eu porque diante daqueles zumbis vivendo por viver. Olhar alongando-se, procura e encontra vida, alegria, esperança. Vibro! Não é por nada não. Mas gosto de pensar que essa roda viva que nunca cessa nas grandes cidades, por mais que ela tente, não consegue engolir de todo, as pessoas em sua solidão, tampouco sufocar o que elas têm de melhor: o prazer de viver. O vagão agora está lotado e eu chego ao meu destino. Antes de sair, me pergunto: ─ “Como será que elas me vêem? Mais certo, nem me vejam. Pois que feito a esmagadora maioria sou só mais um ser insistente indo e vindo apressadamente pelas calçadas da metrópole indiferente, numa tentativa inútil de chamar sua atenção”. Sim, pode o dia ser apenas isso. Muito mais que isso. Pois que sempre há de ter vida, tenha ela a forma que tiver. Mesmo que seja apenas mais um dia! Marisa Costa Marisa Costa
Enviado por Marisa Costa em 31/10/2020
Alterado em 31/10/2020 Copyright © 2020. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |