Riachos de chuva desciam pelas ruas antigas da cidade velha.
Não tinha guarda-chuva e seu agasalho não tinha capuz. Começou a correr pelas ruas estreitas e silenciosas, as roupas e sapatos irremediavelmente encharcados. Tremendo de frio enfiou-se por um portão meio aberto, enferrujado. Deu a volta pelas ruinas do casarão escuro e desolado, em busca de abrigo. A porta dos fundos estava aberta. Entrou. A escuridão era completa. ─ Tem alguém ai? ─ perguntou sem obter resposta. Percorreu, acanhadamente, um corredor até dar num grande salão povoado de velhos moveis e por espectros dançantes projetados pelos clarões dos trovões que se infiltravam pelo vidro das janelas. Havia uma escada revestida de lambri para o segundo andar. As paredes forradas de veludo vermelho estavam cobertas por pinturas de uma linda jovem, etérea, virginal, cabelo louro em cachos. Jonas imaginou o palacete em seus dias áureos, o salão vestido de festa. No centro, ideou a jovem dos retratos dançando com um rapaz. O jovem estava de costas e Jonas não conseguiu idealizar um rosto para ele. Se perguntou se teriam sido felizes. Lá fora, o vento assanhava as arvores. Inesperadamente, ele sentiu um calafrio e levantou os olhos divisando pela cortina de chuva as estatuas do jardim. Em seguida, ouviu o som de uma harpa. Petrificado, viu as estatuas levitarem de seus assentos e, entre elas, uma silhueta envolta numa capa branca olhava fixamente para ele. Pensou: É a jovem das pinturas. A mesma pele branca como a neve, olhos verdes translúcidos. Jonas recuou apavorado quando ela lhe estendeu as mãos, mas foi salvo pela explosão de um trovão que rasgou o ar e, à luz do relâmpago, viu seu corpo se desfazer em cinzas. Seu sangue gelou. A ideia de sair lá fora não era nada tentadora, mas... ali era muito mais sinistro. Parecia o cenário de um pesadelo. Ele pensou que o pior passara, no entanto, ao virar-se, lá estava a moça olhando para ele, os braços estendidos. Fez menção de sair correndo, mas a jovem interceptou sua passagem e suas mãos transparentes abriram um medalhão que ela trazia no pescoço. ─ Não pode ser! ─ ele retrocedeu, os olhos arregalados e confusos. ─ Esse aí... sou eu! Num passe de magica, imagens de um passado distante povoaram sua mente como se fosse um filme. O mesmo salão repleto de convidados, cheio de musica e riso. Uma orquestra tentava animar os duzentos convidados, noite afora, em comemoração ao seu casamento com Sara ─ a jovem dos retratos. Depois, gritos desesperados de dor, de raiva. A noite que deveria ser um sonho se transforma num verdadeiro pesadelo quando a moça com quem acabara de se casar o encontra na cama com a prima dela. Ele tenta se explicar, mas Sara o interrompe e lamenta ter sido enganada pelo homem que tanto amou. ─ Por quê? Eu te amava... Eu sempre vou te amar ─ diz a jovem que foge logo em seguida. Jonas se veste apressadamente e corre atrás dela, mas não a tempo de impedi-la de, num gesto louco, insano, atirar-se nas aguas cristalinas do rio. As imagens se apagaram e o casarão voltou à penumbra, às ruinas. Sem folego, Jonas deu um passo rápido pra trás, o coração esmurrando no peito. ─ Eu... eu não sei o que dizer... ─ Nem imagina como esperei por esse momento, meu amor! Há quanto tempo espero por você ─ exclamou a moça, muito próxima, o hálito frio, enregelando-o. ─ Isso não é real! Não pode estar acontecendo! ─ ele gritou, o rosto congelado numa mascara de terror. Rindo, Sara o envolveu num abraço enquanto Jonas, como um animal desesperado, olhos abertos de terror, tentava se desvencilhar do enlace mortal. Lá fora, a tempestade rugia sobre o telhado em ruinas. Uma parede desabou e rios d’água começaram a inundar o salão sombrio abafando gritos na negritude da noite. Três dias depois, o povo da cidade não falava noutra coisa a não ser no corpo do jovem desaparecido que fora encontrado boiando no Rio das Velhas. No entanto, o que mais alvoroçou e aterrorizou seus habitantes foi o estranho e inexplicável fato de, junto ao seu cadáver, estar enlaçada a ossada de uma jovem que se suicidara há décadas e cujo corpo jamais fora encontrado. (*) Conto extraído do meu livro publicado: Palavra é Arte. Marisa Costa
Enviado por Marisa Costa em 20/08/2013
Alterado em 20/08/2013 Copyright © 2013. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |