O Predador
Claudio Savati é um advogado famoso. Predador, manipulador, está acostumado a ganhar somas indecorosas e ilimitadas de dinheiro com defesas brilhantes, porém, questionáveis e distorcidas da realidade dos fatos.Tem uma bela esposa, linda casa, duas filhas, mas ele também tem problemas com bebida e assedio sexual. A primeira coisa que Claudio Savati pensou quando viu a jovem e linda estagiaria de Direito foi em leva-la para a cama, e quanto mais ela o evitava, mais sua determinação de possui-la, crescia. Garota do interior que viera estudar na Capital, Isis estava feliz com a oportunidade de estagiar num dos escritórios de advocacia de maior prestigio em todo o país. Sua única perturbação eram as investidas do seu chefe e sócio do conglomerado. Se o denunciasse, perderia a chance que batalhara muito para conseguir, então, decidiu relevar e ficar bem longe dele. Especialmente naquela noite, Isis trabalhou até mais tarde para terminar um serviço urgente que Claudio lhe pedira. O tempo passou rapidamente, e ela só se deu conta de que não havia mais ninguém no escritório ao terminar o trabalho. Pouco depois das oito, Isis pegou sua bolsa para ir embora, mas para sua surpresa, Claudio apareceu inesperadamente com dois drinks nas mãos. Fitou-o, aturdida. ─ Pensei que estivesse sozinha. ─ Cheguei a poucos instantes. Estava tão absorvida no trabalho que não quis interrompe-la ─ e sorrindo. ─ Bebe comigo? ─ Não acho que seja uma boa ideia, Sr. Savati. ─ Eu detesto beber sozinho, então, porque não aceita? É só um drink. Não querendo ser indelicada ela aceitou o Martini. No momento seguinte, Claudio estava agarrando-a, beijando-a, deslizando as mãos pelo seu corpo. Isis empurrou o homem com violência, mas de repente, sua visão escureceu. Tentou se agarrar à parede, mas cambaleou e caiu. Despertou numa espécie de entorpecimento e, num primeiro instante, percebeu que estava sozinha. A realidade da sua situação foi se instalando lentamente e, então, compreendeu. Fora drogada e estuprada. Começou a soluçar, enterrou o rosto nas mãos tremendo de raiva e humilhação. Na manha seguinte, Isis optou por ir trabalhar. Decidira calar-se. Quem iria acreditar nela? Iam pensar que ela o seduzira. Quase sempre era assim que acontecia. Trabalhou normalmente, evitando Claudio como se ele fosse o Diabo. No entanto, ao receber seu aviso de desligamento, no final do expediente, a revolta explodiu dentro dela e o conformismo anterior deu vazão ao desejo incontrolável de reação. Disparou até a sala do seu predador. ─ Tem uma semana para contar ao seu sogro e sócio que me drogou e estuprou, ou... ─ Ou o quê? ─ desafiou-a, cinicamente. ─ Conte, ou irei à imprensa. Farei uma acusação formal contra você. Já pensou o estrago que isso causará em sua prestigiada imagem? ─ Deixe de sentimentalismo e esqueça o que aconteceu ─ ele rebateu, mantendo o ar desagradável ─ Posso recompensa-la muito bem. ─ Guarde seu dinheiro para suas orgias! ─ ela bradou diante da afronta. ─ Quero uma retratação e meu emprego de volta. ─ Quem acreditaria em você? ─ Tem uma semana ─ revidou, determinada a levar aquilo até o fim. Depois de beber quase uma garrafa de uísque, Claudio se pegou pensando: Preciso pensar em alguma coisa, ou perderei tudo que planejei. A carreira, o casamento milionário, sucesso, reputação, dinheiro. Principalmente, o apoio do sogro para sua indicação ao Senado. No dia seguinte, Claudio ligou para a jovem de um telefone publico. ─ Nem tive tempo de me desculpar ontem... ─ Vai se ferrar! A ligação ficou muda. Ele ligou de novo. ─ Precisamos conversar. Isis relutou, por fim, aceitou. O encontro foi tenso. Astuto, acima de tudo sedutor, Claudio tentou dissuadi-la usando os estratagemas de convencimento que usava para explorar o lado emocional dos jurados nos tribunais. Mas, só o que conseguiu foi revoltar a jovem ainda mais. ─ Acha que pode sair por aí, assediando, drogando e estuprando mulheres impunemente, Sr. Savati? Naquelas circunstancias, Claudio abandonou o tom macio, dizendo ameaçador: ─ As outras não reagiram como você, ao contrario, apreciaram e muito o ato sexual. Por que não faz o mesmo e esquece o assunto? ─ Se julga muito esperto, poderoso, não é? ─ Diga? Quanto quer para ficar de boca fechada? Isis soltou um riso triunfante. ─ Antes não tinha provas, agora as tenho ─ disse mostrando-lhe a gravação da conversa. ─ E quando a mídia noticiar seus podres, “as outras” vão criar coragem e abrir a boca. Tenha certeza que me empenharei para que assim aconteça. Foi nesse instante que ele decidiu se livrar dela. No extremo sul da cidade, Claudio procurou por um antigo conhecido condenado por assalto a mão armada e em liberdade condicional. Caio tinha 26 anos, era frio e calculista e, embora sua família tivesse dinheiro, desde jovem optara pela vida de crimes. Claudio lhe entregou um envelope com dez mil reais, a foto e o endereço de Isis. ─ Quero que elimine essa prostituta que está me chantageando. ─ Bem na hora! ─ exclamou, Caio. ─ Mas não é suficiente pra pagar a gang de traficantes do Zezinho que anda no meu pé. ─ A outra metade receberá depois do serviço executado. Aguarde minha ligação. ─ Vou precisar desparecer por uns tempos... ─ Ajeito isso, também. A temperatura esfriou e começou a chuviscar. O movimento urbano, àquela hora, findava. De volta ao seu apartamento, Isis sentiu uma sensação ruim no ar, um estranho cheiro de perigo que a deixou alerta. Trancou as janelas, normalmente abertas e, antes de se deitar, endereçou um envelope à Promotoria, colocou dentro a gravação e guardou-o na escrivaninha. Apesar do seu triunfo, Isis não conseguia dormir. A ameaça nos olhos de Claudio era real e a apavorara. Pensou: amanha mesmo vou procurar outro estágio e tentar apagar esse episodio da minha mente. Lá fora, Caio estacionou a moto numa rua lateral. Galgou a escada de incêndio chegando rapidamente ao terceiro andar. Reparou nas janelas fechadas até decidir-se pela do banheiro, larga, o suficiente, para passar uma pessoa. Forçou-a com a faca e entrou. Em seu quarto, Isis ouviu um barulho e concluiu que vinha do banheiro. Foi até lá e, num primeiro instante, viu a imagem de um intruso desenhada no espelho. Arregalou os olhos em choque ao se dar conta da sua real situação, mas antes que emitisse um grito, o sujeito saltou sobre ela como um tigre, e brandindo a faca, acertou-a no ombro. O sangue jorrou aos litros, porém Isis não esmoreceu. Ao contrario, lutando pela vida cravou as unhas furiosamente no rosto do seu assassino. Ferido, o homem gritou, largando-a. Mesmo às portas da morte, o corpo enfraquecido da jovem se arrastou até a porta, porém, Caio voou sobre ela e, vociferando repetidas vezes, “morra vadia”, esfaqueou-a até vê-la cair, sem vida, num rio de sangue. Depois, friamente limpou a faca, guardou-a na mochila, e só foi embora após encontrar o que procurava. Ao saber da morte brutal de Isis, Claudio fez uma ligação, depois usou outro telefone publico e ligou para Caio. ─ Encontre-me logo mais a noite e receberá o restante ─ disse, indicando o local para a transação. Na hora combinada, Caio se dirigiu à Zona Sul na periferia da cidade. O local era ermo, escuro, e a julgar pelo seu estado, o armazém parecia abandonado. Não viu nenhum carro à porta. Deu de ombros e empurrou o portão de ferro. A porta cedeu facilmente ao empurrão e deu acesso ao interior mal iluminado. Sua vista começou a se ajustar à penumbra, e então, sufocou a vontade de gritar. No extremo oposto estava o traficante Zezinho e seus comparsas. Uma armadilha, pensou, amaldiçoando-se intimamente. O traiçoeiro do advogado me empurrou para a morte, usando-me como uma peça do seu jogo. Engoliu em seco, tremeu, quis fugir, mas um dos capangas, posicionado logo atrás do portão, interceptou sua passagem e ele caiu. ─ Pelo amor de Deus, não me mate. Eu tenho dez mil ─ implorou, tirando o dinheiro da mochila. ─ Vou lhe pagar o restante, eu juro! O traficante pegou o dinheiro, e a um sinal seu, sucedeu-se uma serie de chutes e pontapés. O rosto banhado em sangue Caio implorou de novo, mas rindo cruelmente, Zezinho ordenou: ─ Mate-o! A primeira bala se alojou em uma perna, a segunda na outra, seguida de uma sucessão de disparos, mesmo diante do corpo imóvel. Minutos depois, uma sombra escondida pelo manto noturno se esgueirou para dentro do armazém iluminado apenas por um raio prateado, solitário, que irrompia pela comprida rachadura no teto. Silenciosa, caminhou ao seu objetivo, e encontrando um envelope num dos bolsos do cadáver, sorriu exultante pela ação planejada com perfeição. Xeque mate! De manha, antes de ir para o escritório, Claudio acendeu o isqueiro para destruir o envelope que continha a gravação que o incriminava, quando sua mulher o interrompeu. ─ Algum problema com a sua indicação, querido? Tem andado tão estranho nos últimos dias... ─ Agora, nenhum, querida! ─ exclamou, apagando o isqueiro e largando o envelope sobre um móvel da biblioteca. Caminhou até a porta e beijando-a, sorriu. ─ Já estava de saída, nos vemos mais tarde. Era noite cerrada. De pé, frente à lareira de sua linda mansão, Claudio sorveu um generoso gole de uísque saboreando sua vitória. Como dizia o ditado popular, “matara dois coelhos com uma cajadada só”. Pensou: O segredo de uma boa mentira está nos detalhes. Ia se servir de mais uma dose quando sua mulher apareceu no alto da escadaria. ─ Boa noite, querido! Ah, coloquei nos Correios o envelope, endereçado à Promotoria, que você esqueceu hoje de manha. Por um segundo inteiro silêncio abissal reinou na sala só quebrado pelo estilhaçar de um copo em mil pedaços. Conto de ficção Marisa Costa
Enviado por Marisa Costa em 18/06/2013
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