Enganando a Morte
“O futuro da Deus pertence” “O homem faz seu próprio destino” O sol beijava a cúpula do céu, quando Ivan Sabino saiu da autoestrada e entrou num vilarejo à procura de um lugar para matar a sede, e se refrescar do calor intenso. Quando saia do posto viu a placa: “Consulta Espiritual”. Não era crédulo, mas como estava adiantado para a reunião numa cidade próxima, resolveu tirar a sorte e se divertir um pouco. Um senhor de uns oitenta e poucos anos, mandou-o sentar-se, pediu quarenta reais pela consulta, depois, segurou fortemente em sua mão. Para testar o homem, Ivan fez perguntas as quais sabia as respostas. Arlindo não errou nenhuma. Então, começou a perguntar coisas do futuro. Arlindo percebeu a zombaria, mas manteve a serenidade. Sua expressão inabalável era de alguém que muitas vidas vivera, parecia ter a sabedoria dos que desvendaram alguns dos infinitos mistérios do mundo e da vida. Ivan não acreditou em nada do que ele previu. Imagina, pensou. Meu time ser campeão se está na zona de rebaixamento... A essa altura, as chances são praticamente nulas. Beneficiário de uma herança? Só rindo. Desconhecia quem eram seus pais. Fora criado num orfanato até os 18 anos. Aquele homem era um charlatão. De repente, Arlindo estremeceu violentamente, soltou sua mão e se levantou. ─ O que foi ─ perguntou Ivan, rindo. ─ Quer mais dinheiro? Eu lhe dou. Diga o que viu. ─ A consulta acabou. E não quero o seu dinheiro ─ revidou o senhor devolvendo a quantia paga. ─ Mas... eu tenho o direito de saber. ─ Não há mais nada a dizer. Não insista, por favor. Ainda que contrafeito, Ivan foi embora e esqueceu o assunto. Até seu time ser campeão. Até herdar uma vultosa fortuna de um homem que descobrira ser ele seu neto. Intranquilo, procurou outros conselheiros espirituais, cartomantes. Nenhum deles viu nada preocupante em seu futuro. Foi a médicos, fez exames. Sua saúde estava ótima. Desesperado, voltou à casinha do vidente, e irrompendo sala adentro, foi logo questionando: ─ Quero saber o que foi aquilo! A expressão era serena ─ Esqueça! Viva a sua vida. Ivan insistiu, apelou, sacudiu Arlindo pelos ombros, ameaçou-o. ─ Não vejo mais caminhos, nem amanhas para você. ─ Quanto tempo? Quero saber. ─ São só impressões. Não controlo meu dom, apenas ouço. ─ Quanto tempo? Fale! Ou pensa que é fácil saber da minha morte antes mesmo dela acontecer? ─ Tem até a próxima primavera. ─ Não é verdade! O senhor é um maluco. Cheio de pena, o vidente ponderou: ─ Tente ver como uma benção. Pense na oportunidade que terá de reparar o mal que fez. Muitos não têm essa chance. Retrucando que nada tinha para consertar em sua vida, Ivan foi embora. No entanto, a horrível sensação da morte iminente o perseguia noite e dia. Passou a fumar mais e mais. Perdeu a concentração no trabalho, a posição de melhor corretor da empresa. Por fim, parou de ir trabalhar. Trancado em seu apartamento, sentindo pena de si mesmo, visões desencontradas atacaram-lhe a mente, como um pesadelo remoto que insiste em voltar. Numa serie de lampejos reavaliou os erros que cometera; as pessoas que prejudicara. Recordou um garoto da sua infância no orfanato, que ficou preso por quatro anos, porque ele se safou, acusando o amigo de ser o responsável num roubo que os dois praticaram aos 18 anos. Procurou-o. Estava irreconhecível. Um trapo humano entregue às drogas e a marginalidade. Ivan pediu-lhe perdão, ofereceu-lhe muito dinheiro, ao que Nestor respondeu: ─ Sabe, Ivan, apesar de tudo, ainda o considero o meu melhor amigo. Não quero o seu dinheiro. É tarde demais para mim. Nestor deu-lhe um abraço e foi embora, deixando Ivan, péssimo. Ainda tentando amenizar sua consciência, ajudou aos colegas que passara para trás. Por ultimo, fez um seguro de vida para sua noiva. Antes do solstício da primavera, fugindo do seu destino, Ivan voou para a Europa. Naquele momento tudo o que precisava era de um fio de esperança, uma centelha que lhe indicasse que o velho se enganara. Pensou: Lá a primavera ainda tardaria. Enganaria a morte e assim o faria, sucessivamente. Em Capo Testa, na Sardenha, ao decair do sol no horizonte, Ivan sentou-se na calçada de um barzinho. A paisagem vespertina traçava uma linha multicolor acima da superfície do mar Mediterrâneo, circulado pela costa alta e rochosa. Enquanto bebericava seu drink, lembrou-se das últimas palavras de Arlindo: “Este lugar em que está... você mesmo se colocou. Um homem faz seu destino. Você escolheu”. Que se dane a morte! Aqui estou seguro, pensou se espreguiçando na cadeira. O jornal daquela noite noticiou: “Ao cair da tarde, o motorista de um carro em alta velocidade perdeu o controle, invadiu a calçada, matando instantaneamente, o turista Ivan Sabino”. Marisa Costa
Enviado por Marisa Costa em 14/05/2013
Alterado em 14/05/2013 Copyright © 2013. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |