Marisa Costa

Saber sonhar é saber viver!

Textos


Vera andava desconfiada de que o marido a enganava. Tudo começou com as cartas anônimas. “Seu marido te trai”. “A ex-telefonista é amante dele”.
O diabinho da duvida torturou-a, impedindo-a de pensar de maneira clara e racional. Até que numa noite, uma mulher bateu à sua porta para falar com seu marido.
─ Qual o assunto?
─ É particular, mas se quiser ouvir, não tem problema.
─ Você é... ─  perguntou, fingindo não reconhecer a tal ex telefonista.
─ A futura mulher do seu ex.
Vera soltou uma gargalhada. Pensou: a vaca devia estar muito desesperada. Isso cheirava a pé na bunda.
─ Não foi o que ele me contou. Alias, não suporta mais você infernizando sua vida.
─ Vou ter um filho dele.
─ Azar o seu ─ ironizou mordaz. ─ Vitor nunca vai ficar com você.
─ Ou ele fica comigo, ou com mais ninguém ─ ameaçou a vaca, descontrolada diante da segurança de Vera.
─ Então se mate, cachorra! Pule na frente do primeiro carro que passar, porque você se ferrou.
Vera se afastou e quando olhou de novo pela fresta da cortina, a vagabunda desaparecera. Foi até o quarto disposta a acabar com a raça do safado. Ele negou. Ficou decepcionada. Achou injusto. Arrancou as cobertas e o expulsou da cama e do quarto.

Na tarde seguinte Vera saiu mais cedo do escritório. Conferiu as informações, o endereço que conseguira junto a um amigo da empresa do marido, e tomou a direção de Guarulhos.
Duas horas depois estacionou numa rua do Bairro dos Pimentas. A adrenalina em seu corpo era quase palpável quando passou pelo corredor estreito, e bateu palmas na casa dos fundos.
Quando a viu, a vaca tentou fechar a porta, mas Vera a impediu.
─ O que quer aqui?
 Observou a mulher de short curtinho, a barriga de fora. Uma piriguete vagabunda feia pra danar, pensou. O que o safado vira naquele trem?
 ─ Assim como se achou no direito de ir a minha casa, hoje esse direito é meu.
 ─ Fora daqui! Não tenho nada pra falar com você.
─ Ah tem sim, e muito, sua piriguete de quinta! ─ ameaçou. ─ O que a fez pensar que meu homem ia me largar por uma desclassificada como você?
A vaca vagabunda revidou no mesmo tom:
─ Vitor disse que estava se separando, que não a suportava mais.
─ Aí você caiu feito uma idiota, e largou seu marido...
A moça assentiu com desprezo.
─ Não valia nada, o ordinário.
Embora seu coração estivesse aos saltos, deu à pergunta um tom displicente.
─ E para se vingar inventou essa historia de filho...
A piriguete soltou uma gargalhada amarga. Depois ficou muito seria.
─ Eu não sei porque estou fazendo isso, mas..., não há filho nenhum.
Vera não se preparara para aquela reação.
─ Vingança?
─ Exatamente. Naquela noite estava disposta a tudo. Queria acabar com ele. Destruir sua família para que sofresse como eu.
A mulher virou o rosto para o lado e Vera percebeu que ela chorava. Um minuto de silencio depois, continuou:
─ Vitor ficou indiferente até desaparecer por completo. Fui na empresa atrás dele, liguei mil vezes. Não me recebia, até que ameacei fazer um escândalo.
─ E?
─ Me procurou apenas pra dizer, friamente: “Acabou. Era só um caso. Nunca tive a intenção de largar minha mulher”. Pirei. Ameacei contar tudo pra você, mas ele não fez caso.
De repente, Vera não soube definir o que sentia. A mulher era uma vitima, ou uma dessas vagabundas que pegavam o marido dos outros?
─ Então resolveu ir a minha casa...
─ Só não contava com a sua reação. Esperava que fizesse um escândalo, que pusesse o Vitor pra correr, mas não fez nada disso.
Pra ficar com voce?...Que idiota!...
─ Desistiu dele?
A moça a encarou com raiva e inveja a um só tempo
─ É uma forte adversária. Ele é apaixonado por você. Devia saber disso.
─ Me traiu.
Rolou um instante de empatia. Estavam no mesmo barco.
─ Os homens são todos iguais, só mudam de endereço. ─ disse Ester.  ─ Meu ex-marido bebia, me batia, e me traia.
─ Pra eles basta um copo, uma mesa de bar, alguém para desabafar, e esquecem uma mulher.
─ Enquanto nós mulheres tomamos remédios para dormir, e nem assim conseguimos dormir pensando no amor que acabou.
Ambas riram.
 ─ Acreditei que Vitor fosse diferente... ─ recomeçou Ester.
─ Não é para o seu bico ─ cortou-a.
O instante de solidariedade fora quebrado.
 ─ Já descobriu o que queria, então, dê o fora.
No portão, Vera, alfinetou:
─ Só mais uma coisinha, minha querida. Vitor detesta ser pressionado, quanto mais ameaçado. Você caiu do cavalo.
No caminho de volta, Vera tentou organizar os pensamentos. Ao invés de pensar num desfecho para o seu casameto, procurou explicações para o instante de empatia que rolara entre ela e a vadia.
Pela ordem natural das coisas, as duas deveriam estar mais propícias a se matarem pelo homem que as enganara, e no entanto, quase sentiu pena da piriguete e de si mesma.
Loucura ou solidariedade entre mulheres enganadas?



Marisa Costa
Enviado por Marisa Costa em 19/06/2012
Alterado em 20/06/2012
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