Noite Inesquecível
Clara e Rodrigo tinham um casamento singular, eram bonitos e bem sucedidos. Casados há dezoito anos, fizeram muita loucura, muita merda juntos e, era esse o tempero que sustentava suas diferenças, que não permitia que a relação adquirisse um sabor de tédio. Quando Rodrigo a convidou para sair naquela noite, Clara aceitou imediatamente, pensando no quanto seria adorável ficarem sozinhos depois da viagem de três dias que ela fizera a trabalho. No restaurante dançante terminavam o jantar quando ela ouviu “Deslizes”, cantada na voz de Fagner: Adorava aquela música. "Dança comigo? - o convidou. Dançavam juntinhos e, então ela cantou um trecho da melodia: -“Nós somos cúmplices, Nós dois somos culpados, no mesmo instante que teu corpo toca o meu, Já não existe nem o certo nem o errado, Só o amor que por encanto aconteceu. E é só assim que eu perdôo os teus deslizes, e é assim o nosso jeito de viver.” Rodrigo imobilizou-a contra si. - Diz-me: você me trai? - “Em outros braços tu resolves tuas crises, em outras bocas não consigo te esquecer.” A boca curvada num sorriso raivoso explorou as áreas que o vestido deixava expostas. Continuou a excitá-la com beijos e caricias, mesmo depois que ela começou a corresponder. Clara conseguiu se afastar um pouquinho apenas para rir de novo. - Se eu lhe dissesse que quero ir para algum lugar e fazer amor com você o resto da noite, o que diria? Ele estendeu a mão para traçar círculos lentos em volta dos lábios dela. - Estou deliciado. No motel, Rodrigo ria de um jeito estranho, porém Clara não desconfiou de nada. Ela se levantou, e então sentiu uma mão empurrá-la com força, derrubando-a na cama. Mãos envolverem seu pescoço. A principio ela pensou se tratar de uma brincadeira excitante, mas mudou de opinião quando elas agarraram seu pescoço com mais força. Desesperada, tentou se desvencilhar. - O que pensa que está fazendo? - gritou. - Me solte agora mesmo - Está me traindo, não está? - Não. Nunca! - Mentira! - Rodrigo apertou mais. - Essa viagem não foi a serviço coisa nenhuma. Estava com seu amante. - Está delirando. Solte-me! Agora ela quase não conseguia respirar. Conseguiu forças para balbuciar: - Meu Deus, você está maluco! - Deus? - ironizou. - Deixa Deus fora disso. Ele não tem nada a ver com isso não. Naquele instante Clara soube que era inútil argumentar com alguém que bebera demais e ainda por cima louco de ciúmes. Ela sabia que ele tinha uma fixação doentia por ela, mas nunca imaginara uma loucura igual aquela. Sem saída, ficou imóvel, fechou os olhos e rezou silenciosamente. As lágrimas descendo. Durante um minuto, que lhe pareceu uma eternidade, imaginou as manchetes em letras garrafais nas paginas policiais dos jornais: “Homem e mulher encontrados mortos num motel da Barra. Os corpos estavam nus e tudo leva a crer que se trata de um crime passional. A policia está investigando o caso”. Que horror! O que dirão meus filhos, pensou morta de vergonha, embora tal pudor fosse um contrassenso, já que quando eles soubessem, ela já estaria morta. A morte parecia inevitável e ela não conseguia mais pensar, quando, de repente, sentiu as mãos afrouxarem. Encheu os pulmões de ar e sem saber de onde tirara forças saltou da cama e ficou de pé, o corpo todo tremendo. Livre da situação desfavorável e sentindo-se no comando da situação, outra vez, respirou mais fundo. Encontrou energia para ironizar: - O que não fazem uns copos de cerveja a mais. - Cale-se! - ordenou Rodrigo, a voz pouco firme. - Para derrubá-la na cama, de novo, não me custa nada. Clara o olhou com ódio enquanto ele se recostava nos travesseiros, e apagava quase que, instantaneamente. Durante um tempo, que não soube precisar, ficou imóvel, sem mexer um músculo até as câimbras se tornarem insuportáveis. Amanhecia quando ela tomou uma decisão. Vestiu suas roupas, abriu a porta da suíte, sem fazer barulho, e saiu. Na recepção, sob o olhar atônito da recepcionista, falou com um sorriso: - Meu marido dorme como um bebê e estou sem cigarros. Vocês não têm, não é mesmo? - Não senhora. - Ainda que lhe pareça esquisito, eu preciso de cigarros. Assim que os conseguir e matar meu desejo, volto para buscar meu marido. - Mas, senhora... - Não demoro, acredite. Vou deixar a diária paga até o meio dia e minha identidade como garantia, certo? Dito isso, Clara acelerou o carro e ganhou a rua respirando com vontade o ar da manhã. Queria ser uma mosquinha para ver a cara do Rodrigo quando acordasse e não a encontrasse, pensou. No entanto, reconsiderou as conseqüências do seu ato. A recepcionista podia chamar a policia e a confusão estaria formada. Aí sim, seu nome seria manchete e ela seria julgada como a vilã da historia. Comprou os cigarros e deu meia volta. Na recepção do motel viu um Rodrigo arrasado e cheio de culpa se aproximar dela. - Ia me deixar aqui? Ela riu com ironia. - Já o deixei, meu amor, mas fiquei com pena e aqui estou eu de volta. - Clara, eu... eu realmente não queria fazer aquilo. Não tive a intenção de... - Claro, você só tentou me matar. - Estava louco de ciúmes. Eu nunca teria coragem. Te amo muito para perdê-la. - Estranho amor. - tornou sarcástica. - Vamos, entre no carro. Não quero chamar mais atenção do que já chamamos. O casamento não acabou naquela inesquecível noite, afinal, ela o amava. Como fez Rodrigo, que tentou transformar o horrível episodio numa inocente brincadeira, ela preferiu levar o assunto para o lado do fetiche, como eles já fizeram outras vezes. Mas, por via das duvidas, brincadeira ou fetiche, de uma coisa Clara tinha certeza: nunca mais iría a um motel com ele, ou qualquer outro. Nunca mais! Marisa Costa Marisa Costa
Enviado por Marisa Costa em 20/04/2012
Alterado em 07/06/2021 Copyright © 2012. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |