Marisa Costa

Saber sonhar é saber viver!

Textos

O Garoto da Estação de Trem
 
Eu tinha doze anos quando o vi pela primeira vez atrás do guichê da velha estação de trem. Era bem jovem, uns cinco ou seis anos mais velho do que eu.   
Não sei porque achei que ele destoava daquele ambiente antigo, cheio de fantasmas de lembranças que se misturam ─ o terno encontro dos que chegam, a amarga saudade dos que partem e não voltam.

Enquanto meus pais compravam as passagens no balcão da Vitoria a Minas com destino a Nova Era ─ onde moravam meus avós ─ me forcei a ignorar a extrema timidez e olhei de novo.
Era bonitinho, não, para ser sincera era lindo. Os cabelos negros caiam sobre os olhos escuros em mechas revoltas, e vez ou outra, ele as afastava num gesto natural enquanto providenciava as passagens.
Abaixei o olhar, envergonhada pelo exame minucioso, mas sem poder resistir tornei a olhar.
Ele sequer se deu conta da minha presença. Não sei o que esperava. Que ele sorrisse pra mim, me achasse bonita? Sei lá. O fato é que fiquei decepcionada o que só fez aumentar meu interesse.
Não era paixão, não era amor. Eu era muito nova e nada sabia sobre essas coisas do coração, mas sentia uma necessidade inexplicável de falar com aquele menino.  
 
Apesar de eu adorar passar as férias na casa dos meus avós, que eu chamava de meu pequeno oásis, estava louca para voltar a vê-lo outra vez. Decidi que realizaria meu desejo assim que voltasse às aulas.
O trajeto até a estação de trem era o mais interessante da cidade. Para chegar até lá, tinha que passar pelo centro efervescente de gente e lojas de todo tipo.
Só havia um problema. Meu pai determinara meu trajeto casa colégio, colégio casa.  Era o caminho mais curto é verdade, mas completamente desinteressante e desprovido de emoções.  Só havia residências e mais nada.
Fui.
Não era a primeira vez que o desobedecia. Já o fizera outras tantas vezes e ele nunca descobrira. 
Na estação, fingi olhar umas revistas na banca que ficava praticamente em frente ao guichê que ele estava. Arrisquei um olhar, outro, nada.
Eu devo ser invisível, pensei quando ele não pareceu notar minha presença. Fui até a lanchonete. Também não deu em nada. Se pelo menos eu tivesse coragem de me aproximar.
Era improvável. Minha timidez jamais me permitiria tanto arrojo. Desisti e fui embora frustrada.
Desde então, passei a ir até a estação pelo menos uma vez na semana, certa de que um dia o menino me notaria.
 
Num desses dias, meu pai passou de carro. Eu estava com minhas amigas inseparáveis, Sandra Fatima e Marcela, e no trajeto proibido.
Ele parou o carro e com cara de tempestade e me fez entrar sem dar uma palavra. Chegando em casa brigou com minha mãe por minha causa.
Fiquei indignada. Porem, não pretendia seguir à risca suas ordens.
Passei a ser mais atenta. Quando via um carro igual ao dele eu me abaixava e as meninas formavam um circulo à minha volta e ele passava batido.
 
Durante um bom tempo insisti em minha peregrinação infrutífera. Nesse meio tempo, Sandra descobrira que o nome dele era Bruno. Já era alguma coisa. Pelo menos eu tinha um nome com que sonhar, bordar nos cadernos de escola e até fazer poemas.
Até que um dia, cansei. Jurei nunca mais por meus pés na droga da estação. No entanto, meu coração não desistira, lá no fundo ainda acalentava uma tênue esperança.  Garota tola! ─ eu me recriminava com raiva.
 
Quando meu pai disse que fora transferido para Belo Horizonte e que lá iriamos morar, meu pensamento voou para o garoto da estação. O que nem começara, acabara. Ponto final.
Chorei escondida. Sai dessa! ─ censurei-me secando as lagrimas, prometendo a mim mesma jamais voltar a chorar por aquele carinha.
 
Não sei o que me deu para ignorar meu juramento ─ talvez o último restinho de esperança que nunca nos abandona ─ mas insisti com minha mãe para irmos de trem para Belo Horizonte, uns dias antes da mudança. Meu pai estranhou, queria que a gente fosse de carro, mas eu sempre soube como dobra-lo e ele acabou concordando.
 
Na estação passei a largo do guichê, agora desprovido de magia. Não arrisquei uma olhadinha sequer. Fiquei orgulhosa de mim. Será que de tanto lembrar e aceitar minha decepção eu estava me livrando dela?
Faltavam dez minutos para o embarque quando pelo canto do olho eu o vi se aproximar da plataforma. Meu coração quase explodiu, mas fiquei na minha, fingi que não o tinha visto.
─ Sei que está de mudança, seu nome é Manuela e você é linda, eu a vi todas as vezes em que esteve aqui e me chamei de idiota todas elas por não ter tido a coragem de chegar até você. Quando sumiu, senti sua falta como nunca. ─ disparou Bruno de uma só vez, como se temesse que as palavras engasgassem em sua garganta.
Eu planejara dizer tantas coisas, fazer mil perguntas e na hora “H” fiquei muda, então, abri um largo sorriso.
Ele sorriu também, a conversa fluiu, e era como se a gente sempre tivesse se conhecido. Ele me pediu meu novo endereço e eu dei. Mas ainda havia algo que eu tinha que saber.
─ E se eu não fosse embarcar nesse trem, ficaria por isso mesmo?
Bruno sorriu, os dentes brancos brilhando na boca bonita.
─ Estava decidido a ir até sua casa, ou ao colégio. Não a deixaria partir sem antes falar com você.
Meu sorriso foi ainda maior.

Nosso tempo se esgotara. O trem da Vitoria a Minas ia partir. Minha mãe embarcou e eu disse a ela que já ia. Subi um degrau e o olhar que ele me lançou era carregado das mais lindas promessas.
Então, Bruno agarrou a minha mão e tocou meus lábios com os seus. O trem começou a andar vagarosamente, e ele foi correndo atrás até nossos lábios se soltarem com o balanço, sua jaqueta voando ao vento, se dilacerando na cerca de arame farpado.
Fiquei ali no degrau, parada, completamente extasiada, vendo ele se livrar do que restara da jaqueta e continuar a correr e a acenar até o trem sumir na linha do horizonte.  


(*) Imagem: Google
Marisa Costa
Enviado por Marisa Costa em 14/02/2014
Alterado em 15/02/2014
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