Marisa Costa

Saber sonhar é saber viver!

Textos

Minha mulher morreu, de repente, há três dias. Depois do enterro sugeri à minha única filha que me deixasse ir morar com ela e seu noivo, em outro Estado, ao que ela me disse:
“Não é uma boa ideia, pai. Sua vida é aqui, nesta casa que tanto gosta”.
Argumentei que não queria ficar sozinho, prometi não atrapalhar a vida deles.
“Sem chance, pai. O senhor tem que aprender a se virar sozinho”.
Ela e eu não éramos próximos. Confesso que pouco participei da vida dela até agora. Mas ela não entendeu, ou não quis ver que eu, aos 68 anos, estava apavorado com a perspectiva da solidão.
Uma semana depois, minha casa era a imagem do caos. Pia entupida de pratos sujos, roupas espalhadas pelo chão e a despensa vazia.
Fui ao mercado, comprei um monte de enlatados e congelados e entupi o trailer com eles. Sim, eu tinha um, desses Adventure, que minha mulher comprara contra a minha vontade.
No dia seguinte, pus o pé na estrada decidido a tirar algumas teias de aranha da minha vida.
À noite, no acampamento, escrevia para um amigo que há muito não via, contando minhas proezas nas estradas.
“Sabe, Leandro”, comecei. “Minha filha me implorou para eu ir morar com ela, mas eu lhe disse que precisava de um tempo para mim.
Fui visitar o lugar onde nasci. Tudo mudou, mas era bom estar de volta. Também, visitei minha antiga faculdade. Outros tempos, outras caras. O implacável tiquetaquear do tempo a me provar que a minha juventude se esvaecera para sempre”.

 
Na manha seguinte, sem poder resistir, liguei para minha filha de um telefone publico no meio da estrada.
─ Estou viajando no trailer, acho que vou passar por aí para ver vocês.
─ Não venha, pai. Espere para vir no meu casamento. São só seis meses até lá.
Com raiva, retruquei:
─ Então não vai se importar seu eu parar de fazer os depósitos...
A ligação caiu.
Soltei um longo suspiro. Eu tentava mostrar alegria, positivismo, mas dentro de mim havia uma alma triste. Uma mistura de medo, raiva e solidão.
No escuro da noite, sentei-me na beirada do rio a contemplar as estrelas. Meu pensamento voou em uma prece silenciosa:
“Sei que não fui o melhor marido, Helena. Não, não fui. Eu te decepcionei. Será que pode me perdoar? Você me perdoa, Helena?”
Como resposta, uma estrela cadente cortou os céus. Sorri. Pela primeira vez em anos me senti lúcido. Sabia o que fazer.
Fui visitar minha filha. Eu nunca fui com a cara do noivo dela. Helena e eu achávamos que ele não era a pessoa certa, não a faria feliz.
Quando ela me viu ficou quase histérica. Humilhado, fiquei calado ouvindo-a me recriminar. Finalmente, consegui dizer:
─ Não vim para ficar. Só vim para lhe pedir para não se casar com Valter. Ele não serve para você. Não vai faze-la feliz.
─ Não sabe o que diz, pai. Vou me casar com ele quer o senhor queira, quer não. E se não o aprova, nem precisa vir ao meu casamento.
Parti. Alquebrado pela tristeza. Torturado pela amargura.
Sou um fraco. Um completo fracasso, pensei. Que diferença eu fiz para o mundo? Para alguém? Nem da minha filha consigo me aproximar...
“Vou morrer em dez anos, talvez cinco, quem sabe amanha. O que importa? Que diferença faria se eu tivesse existido? Nenhuma!”

Chegando em casa verifiquei minha correspondência. Dentre elas havia uma carta. Era da diretora de uma espécie de ONG para crianças abandonadas, que eu apoiava na Somália. Contava sobre o afilhado que eu adotara.
Akilah está com seis anos. Tem a saúde frágil, mas é muito inteligente. Fala muito no senhor e espera um dia conhece-lo. Junto envio um desenho que ele fez para você”.
Com mãos tremulas desdobrei o papel. Era o desenho de um homem segurando a mão de um garoto. Embaixo, estava escrito em português: “Amo você, Benjamin”.
Comecei a chorar.

Uma criança, que jamais vira, precisava de mim. Me fez perceber que eu podia ser uma pessoa melhor, que eu valia a pena. Que sem mim, o mundo não seria igual.

                           


Marisa Costa
Enviado por Marisa Costa em 12/04/2013
Alterado em 12/04/2013
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